terça-feira, 1 de junho de 2010

Manaus, Los Roques e Monte Roraima – Dezembro de 2008

Após oito anos e alguma coisa de espera, finalmente consegui chegar ao topo do Monte Roraima. Onde é isso?? Lá nos cafundó... Onde Judas perdeu as meias, as cuecas e sei lá mais o quê!

Dezembro de 2008, lá estávamos nós outra vez na Venezuela! Quem diria!

Sim! De volta à Venezuela. Só que desta vez, com tudo muito bem planejado para não perder dinheiro, paciência e muito menos os cabelos.

Desta vez a proposta era a seguinte: fazer aquilo que não pudemos da outra vez em que estivemos por lá, ou seja, conhecer o Monte Roraima e o arquipélago de Los Roques.

Ah tá! E onde entra Manaus nessa história?

Bom, como nada que acontece comigo é convencional, e como eu não aprendo mesmo (ou não aprendemos?)... Mais uma vez, passamos noites dormindo em aeroportos, esperando, esperando e esperando mais um pouquinho.

O Roteiro: Seguir de São Paulo a Manaus - AM de avião, e de lá para Boa Vista - RR de ônibus. Por que? Porque o preço da passagem para Manaus custava um terço do valor da passagem para Boa Vista. Para evitar transtornos tentando fechar o pacote da expedição ao Roraima na Venezuela, eu entrei em contato com a agência Roraima Adventures de Boa Vista para fechar o pacote diretamente pela internert, isso facilitou tudo porque pude pagar por depósito bancário, agendar a data correta, ou seja, planejar. De Boa Vista à Santa Elena de Uiaren (cidade venezuelana de onde partem os jeeps para a aldeia Paraitepui) são apenas duas horas.

Mas fomos um pouco precipitados ao comprar as passagens para Manaus. Começamos a viagem dia 20/12, mas o trekking estava previsto para começar apenas dia 30/12. O que faríamos todos esses dias? Como chegar em Los Roques?

Em vários fóruns encontrei pessoas dizendo que existia um ônibus que saía de Manaus com destino à Caracas (Venezuela). Então, pensamos em pegar este ônibus e ao chegar em Caracas comprar as passagens para Los Roques. No entanto, enviei diversos e-mails para a viação que teoricamente fazia este trajeto, mas não obtive resposta alguma. Sendo assim, começamos a lembrar de como foi difícil viajar pelas estradas venezuelanas... Não! Não queríamos passar por tudo novamente.

A solução? Comprar passagens de avião de Manaus à Caracas...
__
Janela do Teatro Amazonas - Manaus - AM
Chegamos em Manaus, dormimos no aeroporto e na manhã seguinte embarcamos para Caracas. Ao chegar em Caracas, fomos cercados por homens querendo trocar dólares. Chávez tinha estipulado um câmbio oficial para o dólar no qual os bolivares fuertes eram supervalorizados, mas como os venezuelanos tinham uma cota muito baixa para a compra de dólares, o câmbio paralelo corria solto, era possível trocar U$1,00 por até Bs.F 4,60, enquanto o câmbio oficial era de U$1,00 para Bs.F 2,15. Após negociarmos o melhor valor, trocamos o dinheiro e fomos aos guichês das companhias aéreas que realizavam voos para o arquipélago. No guichê da Chapi Air, conhecemos Raul e Jaisson, dois catarinenses que também estavam embarcando para lá.

Conseguimos as passagens, mas o limite de bagagem era de apenas 10 kg por pessoa, incluindo bagagem de mão. E como a viagem seria longa, tínhamos, muito mais do que isso. Além de ter que pagar cada quilo excedente de bagagem, ainda tivemos que deixar uma das malas com a companhia aérea para que seguisse apenas no voo do dia seguinte.

Os aviões da Chapi Air eram os piores que faziam este trajeto, os menores e mais velhos, mas com o melhor preço de passagens (por que será?!). Pra se ter uma idéia, o co-piloto abre o quebra vento durante o pouso e a decolagem (e ainda coloca o braço pra fora)... é uma sensação única voar em avião que mais parece um fusca 66!
O comandante muito bem humorado perguntou aos passageiros: “Vocês estão com medo?”. E todos responderam: “SIMMM!!”. Ele disse: “eu também!”.

O aeroporto da ilha Gran Roque não tem nenhuma estrutura. O desembarque é realizado praticamente na areia, não é possível nem arrastar malas de rodinha.

Logo de cara conheci Jesus (isso rendeu algumas piadas...), ele trabalhava em uma das operadoras de mergulho existentes na ilha. Pela primeira vez estava no caribe devidamente credenciada para mergulhar!

As pousadas por lá eram caras e bem rústicas. Encontramos a pousada da Magali, com direito a desaiuno, cena e banho frio!

Na primeira janta a Magali nos serviu lagosta. Nossa! Que maravilha! Mas foi só na primeira, depois era sempre frango.. frango frito, frango ensopado, frango assado, frango à passarinho... e o café da manhã então! No primeiro dia adorei comer panquecas, mas depois do terceiro dia só comendo panquecas eu não aguentava mais...

A única praia de Gran Roque fica cheia de barcos, não dá para entrar na água. Para curtir uma simples praia é preciso pegar um barco, o que encarece mais as coisas.

No primeiro dia pegamos um barco e fomos até Cayo de Água, uma das ilhas mais bonitas do arquipélago. Mas eu estava interessada mesmo em mergulhar. Não escolhi a operadora do Jesus. Acabei escolhendo a Eco Buzos, operadora com a qual eu já havia feito contato por e-mail, já estava mais ou menos certo que mergulharia com eles.

Três dias de mergulho. Alguns muito tranquilos e outros extremamente estressantes que valeram como experiência. Por sorte me lembrei de como não entrar em pânico visualizando mentalmente um gráfico do “manual do Rescue Diver”, curso que eu tinha acabado de fazer. Apesar de ter me virado bem, ganhei algumas cicatrizes que tenho até hoje.

Não podíamos nos dar ao luxo de comer e beber em bares e restaurantes, então, repetindo o que fizemos em Aruba, o almoço geralmente era substituído por lanches comprados no mercadinho. Encontramos uma adega que vendia bebidas pela metade do preço dos bares. Todos os dias íamos comprar cerveja (Polar), e lá encontrávamos nossos amigos Raul e Jaisson.

A noite de Natal foi surpreendente, eu não imaginava que conseguiria me divertir tanto. Ao contrário do Brasil, onde as famílias se recolhem e não se vê ninguém nas ruas (o que eu simplesmente detesto!), na Venezuela é justamente o contrário (pelo menos naquela ilha), a festa é na rua. Muita bagunça, festa na praça, bandeirinhas...

Caminhando pela praia um pouco antes da meia noite escutamos um barulho de atabaques, procuramos saber de onde vinha, e para nossa surpresa, era de dentro da igreja. Todos cantavam e dançavam ao som de músicas tradicionais de Natal animadíssimas. Entrei na dança, claro!

Foram dias tranquilos, divertidos, paisagens incríveis, vida marinha exuberante... mas a ansiedade era muito grande, queria mesmo fazer o trekking rumo ao topo do Monte Roraima.

Voltamos para Manaus. Tínhamos que esperar o horário do ônibus pra Boa Vista, então fomos a um shopping onde pudemos comer muito bem, e até pegar uma sessão de cinema.

Umas sete e pouco da noite entramos no ônibus. Desmaiei e acordei em Boa Vista depois de umas dez horas de viagem.


Monte Roraima

Em Boa Vista conhecemos nossos companheiros de trilha, fizemos um briefing e na manhã seguinte partimos para Santa Elena de Uiaren.

Para chegar à aldeia Paraitepui é necessário carro 4x4. Posso dizer que chegar na aldeia já foi uma aventura! A estrada estava muito ruim.

A partir da Aldeia começa a trilha.

Contar o trajeto da trilha não tem muita graça, já entrei em milhares de blogs e de fóruns que descrevem o passo a passo, todos são absolutamente iguais, já que o roteiro de seis dias de trilha é exatamente o mesmo para todos que contratam pacotes. O que eu quero é simplesmente descrever minhas sensações e experiências pessoais.

Nosso guia: Puri Puri.

Nosso herói: Wilson.

O grupo: Fabiane, Edmilson, Chantal, Victor, Hermano, Daiane e Ben Hur. Todos brasileiros.

Com o grupo também seguiram outros carregadores dos quais não lembro os nomes, mas todos muito simpáticos.

As refeições eram preparadas pelo guia e pelos carregadores. Quem mais trabalhava e conseguia fazer mil coisas ao mesmo tempo era o Wilson (carregador, cozinheiro, montador de barracas, entre outras coisas).

No café da manhã comíamos arepas, empanadas e ovos quase todo dia. O almoço era sempre um lanche, ou uma comida mais leve, já que tinha que ser preparado fora dos acampamentos. Mas a janta era reforçada! Até feijoada nos comemos (tudo bem que era em lata... mas numa hora dessas é a melhor coisa do mundo!).

No segundo acampamento, que fica na base do monte, choveu muito, minhas roupas estavam todas molhadas. O peso da minha mochila aumentou, e pra ajudar, a fivela da barrigueira emperrou e eu não conseguia ajustá-la ao meu corpo. Isso certamente dificultou um pouco a subida de 5 Km bem íngremes até o topo.

Sofri um pouco, mas ao mesmo tempo estava feliz por estar ali onde eu tanto queria. Além da chuva constante, atravessamos uma cachoeira. Por teimosia eu não coloquei blusa nem capa de chuva. No topo, a temperatura estava muito baixa, meu corpo esfriou bruscamente no término da subida. Molhada e apenas de camiseta, meus dentes batiam com tanta força que achei que iam quebrar... meus tênis pesavam, estavam encharcados.

Mas mesmo sob chuva, morrendo de frio, e sem saber o quanto ainda teríamos que andar para encontrar um local para acampar, eu estava emocionada. Não era possível observar muita coisa, as formações rochosas se escondiam na neblina, mas era possível observar as bromélias e outras espécies de flores que só existem lá.

Eu já não suportava mais o frio, peguei uma garrafinha de rum e bebi quase metade pra ver se aquecia o corpo. Fiquei louca! De repente comecei a delirar e não sabia mais se era o frio, o álcool, ou o lugar... que é realmente delirante.

Finalmente encontramos uma caverninha, os guia costumam chamar esses lugares de hotéis. Foi sorte! Como chegamos dia 01/01, muitas pessoas que passaram a virada do ano no topo já tinham descido. Aliás, durante a subida, não aguentava mais responder “feliz año, feliz año, feliz año...” para as pessoas que faziam o caminho inverso. ________________
A hora do sopão! Foto: Victor Tartari
Acampamento montado. Wilson nos preparou uma sopa bem quente. Nunca tomei uma sopa de saquinho tão boa em toda a minha vida!

Mesmo assim o frio não passava, comecei a ficar com febre. Tirei a roupa molhada, entrei no saco de dormir, tomei um analgésico e acabei melhorando depois de algum tempo.
__
Como choveu muito em boa parte do percurso, nessa hora o grupo ficou um pouco desmotivado, o dia seguinte seria de uma caminhada de 24 km, visitaríamos o ponto triplo (divisa dos três países, Brasil, Venezuela e Guiana). Mas Hermano, com todo seu otimismo, dizia que Macunaima nos proporcionaria um excelente dia. Ele começou a desenhar sóis na porta das barracas... haha... esse foi um dos momentos mais engraçados. Passamos a chamá-lo de “Pai Hermano”.

Inacreditavelmente, ao contrário do que aconteceu nos dias anteriores, e do que seria mais provável, o dia amanheceu sem chuva e o sol logo apareceu... um dia incrível em que finalmente o Monte se revelou para nós. A mandinga de pai Hermano realmente funcionou!!

Lá no topo foram dois dias sem banho, ninguém se atrevia a entrar no rio de tão gelado, o jeito foi usar lenços umedecidos.

Um detalhe importante, tudo deveria ser trazido de volta para a aldeia, inclusive nossas fezes. Isso mesmo, fezes!

Nosso banheiro era um banco de plástico com um buraco no meio, tínhamos que colocar um saco plástico, sentar confortavelmente, e após terminar o serviço jogar cal dentro do saco, amarrar e jogar dentro de outro saco... (Até isso o coitado do Wilson teve que carregar). Um banheiro a céu aberto... que maravilha... ao usá-lo em uma noite, sob a luz do luar, me senti o próprio Clodovil em sua famosa privada na casa de Ubatuba... hahaha...

A descida foi mais fácil, apesar de forçar o joelho.

A paisagem mais bonita de toda a trilha eu só percebi na descida. Rio Kukenán, com os montes Kukenán e Roraima ao fundo.

Foi uma experiência única. Não digo isso apenas pelo misticismo e pelas lendas que cercam o local, ou por suas belezas e peculiaridades, nem mesmo por minha superação física. Mas porque lá parei para refletir sobre as coisas das quais não preciso. Passo boa parte de minha vida preocupada em conquistar algo, sem parar para pensar no quanto já conquistei.

Wilson
Sou privilegiada por ter tido a oportunidade de conhecer este lugar.

O que mais me impressionou foi a capacidade de adaptação das pessoas que vivem do Roraima, que desde pequenas aprendem o ofício de carregar bagagens. É o único trabalho que elas tem, não resta outra opção. Pessoas que passam frio porque não tem dinheiro pra comprar equipamentos adequados, dormem fora de barracas, carregam muito mais peso do que deveriam... e ainda assim, sempre sorridentes, dispostas e extremamente prestativas.


De Boa Vista à Manaus

De volta à Boa Vista. Decidimos ficar alguns dias por lá. A cidade é simpática, limpa e ajeitadinha. Mas ao contrário de nosso amigo Wilson, as pessoas desta cidade não têm muita pressa e não conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo. Pra comer um simples pastel esperamos 45 minutos. É outro ritmo de vida, não dava pra aguentar isso por muito tempo... Decidimos então voltar pra Manaus.

A viagem de ônibus de Boa Vista à Manaus foi perturbadora e engraçada. Pessoas falando, crianças chorando, e a melhor de todas, uma maluca que brigava com o marido por causa de um celular:

- Tu “butô" o celular na bolsa?

- “Butei”... eu “butei”

- Não “butô”!

- “Butei”!

- Tu não “butô” o CARALHO do celular!!

No fim das contas ele tinha “butado” sim o celular na bolsa... ela achou e mesmo assim continuou brigando com o pobre coitado o resto da viagem... sem contar que na parada ela reclamou com o motorista dizendo: “20 minutos não dá nem pra cagar!”.

Quando estávamos chegando, por volta de umas seis da manhã, outra mulher, que devia ter algum compromisso muito importante, decide ligar seu radinho e colocar um forrózinho (daqueles bem ruins) para começar bem seu dia! Tirou um espelhinho da bolsa e começou a tirar a sobrancelha, se maquiar... Incomoda com essa música, outra figura que estava ao lado resolve ligar seu próprio rádio num volume mais alto para competir... nem preciso dizer como estava meu humor nessa hora...

Noite mal dormida. Desembarcamos na rodoviária de Manaus.

Eu tinha dado uma olhada na internet, ainda em Boa Vista, e já tinha alguns nomes de hotéis em que queria me hospedar. Chegando na rodoviária decidimos pegar um táxi, o cansaço era grande e não estávamos a fim de pegar ônibus circular com toda aquela bagagem. Como me arrependi! Antes tivesse ido de ônibus! O taxista, além de não parar de falar, não queria nos levar pra onde eu pedi, queria porque queria que fossemos pro hotel sugerido por ele.

E esse não foi o único taxista que me irritou, não! Um me abordou na rua insistindo para que nós pegássemos o táxi dele. Eu disse: “não, obrigada”. Mais umas duas ou três tentativas e eu disse que ia de ônibus mesmo... indignado, me chamou de pão dura... só me faltava essa!!

Foto: Edmilson Sanches
Não tive a oportunidade de conhecer os lugares certos. Na verdade, fizemos uns passeios bobos, mais porque já estávamos lá do que por outro motivo. A única coisa que me deixou contente num desses passeios, foi pegar uma cobra sucuri no colo.

No centro da cidade fiquei assustada com a quantidade de lixo nas ruas. Nos bares à beira do porto, vi diversas pessoas jogando latas e garrafas no rio. Claro que isso não é muito diferente de São Paulo e de tantos outros lugares, mas isso sempre me incomoda demais.

O clima também não me agradou em nada. Parecia que estava em uma sauna a vapor. O jeito foi encarar uma hora de "busão" pra passar o dia em uma das praias do Rio Negro. Deu pra descontrair, tomar umas cervejas... mas até a água do rio era quente.

Se um dia eu tiver a oportunidade de voltar, quem sabe consiga mudar minha impressão sobre a cidade. Mas por tudo que passei desta vez, posso afirmar que não gostei.

***_
Foto: Edmilson Sanches

Apesar de ter conseguido visitar os lugares que eu desejava, sei que esta ainda não será a última viagem à Venezuela, ainda falta conhecer o Salto Angel, a maior cachoeira do mundo.
__
Voltar ao Roraima também seria incrível...

__
__
Mais fotos:
__

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabens pelo relato osbre San Andres !
Me enchi de vontade de ir lá
Gerson Weber

Anônimo disse...

oi, voces tem ideia de quanto gastaram em los roques? adorei o blog e os seus comentarios sobre o local! julio cesar (jcvoltol uol com br)

Fabiane disse...

Olá Julio Cesar.. te mandei um e-mail com algumas dicas, caso não tenha recebido me avise que envio novamente...